OS BENEFÍCIOS E PERIGOS DA AUTOPUBLICAÇÃO

(Publicado em 03/04/2020)



Em janeiro de 2019 escrevi um texto que explica O CAMINHO DAS PEDRAS PARA A PRODUÇÃO DE UM LIVRO (link AQUI) que é uma tentativa de explicar quais são as fases e tarefas para publicar um livro, desde a ideia original até o exemplar impresso entregue ao leitor.

Esse artigo, felizmente, teve muitos leitores desde a sua data de publicação e, nesta semana, um professor por quem eu tenho um carinho muito grande (o Farlley Derze, de Brasília) deixou lá um comentário e uma pergunta:
Eu gostaria de conhecer sua opinião a respeito da “autopublicação” (Amazon, Clube de Autores, PerSE).
E, ainda, sua opinião sobre os e-Books


É claro que eu tenho de dar uma resposta, embora não seja uma coisa tão fácil. Aí vai:





Imagem: OitoNoveTrês



Num passado não muito distante (estamos falando de 50 ou 60 anos) escrever um livro era um trabalho de no mínimo, duas pessoas: o autor e o editor.

Cabia ao editor fazer a curadoria do trabalho do autor. Avaliar a ideia original do livro, decidir se valia ou não a pena publicar, orientar o autor no processo de pesquisa, fazer a leitura crítica dos originais, enfim... o editor era o filtro que entregava ao livro um "selo de qualidade editorial" que, muitas vezes, garantia o sucesso da produção.

E, além disso, os custos de produção de um livro eram muito altos e poucos tinham acesso a esses recursos. Era preciso utilizá-los com muita inteligência e, claro, não se podia publicar qualquer coisa.

Entre os anos 1960 e 1980 as impressoras Offset foram se tornando cada vez mais populares e as velhas impressoras de tipos móveis foram sendo substituídas, resultando num custo cada vez menor para a impressão de jornais, revistas e livros. Com isto, entre o final do século XX e nas primeiras décadas do século XXI a ETAPA 3 - Impressão e Acabamento da produção dos livros tornou-se acessível para muito mais gente (Leia o artigo O CAMINHO DAS PEDRAS PARA A PRODUÇÃO DE UM LIVRO para entender do que estamos falando).

No início dos anos 2000 a internet permitiu o surgimento dos Blogs e com eles uma legião de autores passou a escrever com uma frequência muito maior. Alguns deles descobriram que tinham leitores interessados no que escreviam e uma parte desses autores (que tinham muitos leitores) encontrou espaços nas editoras estabelecidas e tiveram seus livros publicados.

Muitos porém, apesar de terem leitores foram preteridos e acabaram descobrindo que poderiam bancar, por conta própria a produção dos seus próprios livros. Afinal, não existe nenhuma lei ou reserva de mercado protegendo interesses das editoras.

O que parece ter sido uma coisa boa, representa também um grande perigo: a eliminação da figura do EDITOR, que funcionava como um curador literário acabou permitindo a publicação de um volume muito grande de livros de qualidade no mínimo duvidosa.

Mas isso nem é um grande problema. Afinal, ninguém é obrigado a comprar um livro e, muito menos, lê-lo até o fim. Portanto, um livro ruim na sua biblioteca é, quando muito, apenas um mau investimento.

Então, respondendo a uma das perguntas do meu querido amigo Farlley: Sim, eu acho que a possibilidade de autopublicação, ainda que possa resultar, eventualmente, em livros ruins, não é, em si, um grande problema.E isto se aplica, indistintamente, tanto para livros impressos como para e-books.

Eu já me acostumei com e-books. Embora ainda goste mais dos livros impressos, consigo ler muito bem nos aplicativos e nas telas do computador. O que acontece com os ebooks , no entanto, é que esse é um produto muito fácil de fazer mal feito.

Uma vez que os custos de produção são muito mais baratos, muito mais gente se aventura a publicar seus próprios e-books e isso nos leva a uma quantidade muito grande de livros muito ruins nesse formato.

Eu prefiro e-books que já tenham tido uma versão impressa. É um critério de seleção que eu costumo fazer.

Agora, sobre a outra parte da pergunta, respondo contando um pouco sobre como eu acabei, há 20 anos, criando a OitoNoveTrês Editora para produzir os meus livros.

Como vocês sabem, meu primeiro livro (MARKETING PARA ENGENHARIA E ARQUITETURA) foi editado pelo Crea-SC, em 1998. Teve a curadoria do querido amigo arquiteto Osvaldo Pontalti. Foram muito importantes as orientações que eu recebi dele e o cuidado que ele teve com a qualidade do produto final. Eu não tinha nenhuma experiência com aquilo e, provavelmente, sem a participação dele, teria transformado meu próprio trabalho em um fracasso editorial.

Com o sucesso do primeiro livro, comecei logo a produzir o segundo (MARKETING PESSOAL E IMAGEM PÚBLICA) com o objetivo de complementar o conteúdo. Apresentei os originais a diversas editoras de Santa Catarina. As condições propostas por essas empresas esbarravam no meu bom senso. Não fazia nenhum sentido entregar um livro pronto para uma editora que não prometia fazer nenhum esforço de promoção e distribuição e que me pagaria apenas 10% do valor de venda de cada unidade (e só se houvesse vendas!).

Meu raciocínio foi o seguinte: se eu terei de escrever, promover e vender os livros e só vou ganhar 10% então eu mesmo vou assumir todo o trabalho e todo o risco, mas, pelo menos, ficarei com uma parcela bem maior do faturamento. E foi o que eu fiz (e nunca me arrependi!).

E eu acredito que esse é o raciocínio de todos os autores independentes e de todas as pequenas editoras espalhadas pelo Brasil. Trata-se apenas de escapar de um modelo de negócio (das grandes editoras) que só é bom para o autor se existir a perspectiva de vendas de milhares e milhares de exemplares por mês. Não é o meu caso, infelizmente.

Isto explica o surgimento de dezenas de plataformas, dentre as quais destacamos aqui essas três mais famosas (Amazon, Clube de autores, PerSE). Todas essas plataformas têm em comum o fato de não fazerem curadoria, ou seja: permitem uma linha reta da cabeça do autor até a mão do leitor. Muitas vezes isso resulta em um livro sem revisão gramatical, sem revisão editorial, com uma diagramação ruim e ilustrações impertinentes.

Mas, eventualmente, como em qualquer área, podem surgir produtos de boa ou excelente qualidade.

Essas plataformas de produção e distribuição disponibilizam ao autor a ETAPA 3 - Impressão e Acabamento e a ETAPA 4 - Lançamento e Distribuição. Ajuda muito. Mas o autor não pode perder de vista que são as etapas (Pesquisa e Texto) e 2 (Produção pré-impressão) as que, realmente, garantem a qualidade do livro.





PADILHA, Ênio. 2020





Comentário #1 — 03/04/2020 12:19

Joana Segatto Scabelo — Arquiteta e Professora — Vitória

Nossa! Quanta informação de boa qualidade aprendi num único artigo. Obrigada, professor! Continue a nos escrever.

Comentário #2 — 03/04/2020 13:29

Manoel Enéas Alves Mota — Eng. Civil — Fortaleza

Bdia meu amigo!!!! Vc colocou muito bem. Esclareceu perfeitamente o processo que passando pelas editoras inviabilizavam completamente um trabalho. Ao meu ver, não interessa se bem ou mal o produto, cabe ao leitor avaliar o que deve ser lido, o importante é a democratização que as tecnologias permitem. Adepto das tecnologias, desde os primórdios prefiro as plataformas digitais. Venho ainda do tempo em que se calculava um edifício totalmente na perna, mas acompanhei toda evolução tecnológica, já tenho inclusive montado um provedor de internet, conexão discada, longe de saber o que vinha a ser o famoso \"wifi\". O certo é que a produção não somente livros, mas de trabalhos técnicos, manuais e artigos, ficou muito mais ao alcance de todos. Particularmente tenho muita coisa a publicar na área de patologias das estruturas, por exemplo, que a qualquer momento estarei elaborando uma justaposição e publicando. O fato é que admiro muito o seu trabalho, a sua produção é de alto nível, tornando secundário o manuseio quer pela forma tradicional ou digital. Avancemos!!!!! Sucessooooo

Comentário #3 — 03/04/2020 21:35

Farlley — Professor — Brasília

Muito obrigado pela resposta, querido Ênio Padilha, meu estimado amigo.

Ontem à noite eu acompanhei uma “live” no Instagram, após receber o convite do palestrante. Trata-se do escritor Jéferson Assumção (com “m”), residente em Porto Alegre. Durante a “live” ele, que publicou mais de 20 livros impressos, se posicionou a favor da inserção do escritor no mundo digital. Hoje, conversei com a Sylvia Ficher (foi minha orientadora no doutorado e pós-doutorado), ela já está aposentada (mais de 70 anos), tem uma biblioteca em casa, assim como eu, e na conversa me disse que atualmente só lê no kindle. Eu leio no kindle e no iPad (e-books). No nosso caso, a maioria das leituras são objeto de pesquisa. Num e-book sobre urbanismo, cidade, arquitetura, se quero saber quantas vezes a palavra “iluminação” está presente no texto, para analisar como a “iluminação” foi abordada, o resultado da busca é instantâneo. Eu pesquiso também a palavra “noite” tanto em livros acadêmicos como em romances, contos e poesias. Os e-books me devolvem num clique a ocorrência desta ou daquela palavra. Outra vantagem (para mim, como pesquisador) é poder carregar centenas de livros dentro do meu dispositivo, cuja tela é de 12 polegadas, do tamanho de uma página A4, bem dizer. Outro tema que ocorreu durante a conversa (ao telefone), foi que um livro impresso é lido por uma pessoa e fica na prateleira de sua casa; o mesmo conteúdo, no mundo digital (blogs, sites) pode ser lido por milhões de pessoas e, se for material escrito em inglês ou espanhol, serão bilhões de leitores. Eu faço parte de uma plataforma que remunera o autor que posta seus textos lá. A plataforma tem um mecanismo inteligente que sabe quando alguém leu o conteúdo, baseado na rolagem da tela. Quanto mais leitores, maior a remuneração. Por fim, aqui mesmo no site do Ênio Padilha, temos acesso aos conteúdos de altíssima qualidade numa velocidade instantânea, bem diferente do ritmo do maquinário das gráficas de livros e jornais do antigo modelo de distribuição. Muito obrigado, Ênio pelos esclarecimentos. Aprendo sempre com você.

Comentário #4 — 04/04/2020 13:34

Alberto Costa — Consultor empresarial — Florianópolis

Eu dificilmente escreverei o suficiente para denominar-me escritor... Mas estou me devendo (e a um bocado de gente) colocar algumas de minhas ideias em livro. Para quem nunca o fez, este post e aquele que aqui foi referido, trazem considerações preciosas, que tratarei de levar seriamente em conta. Obrigado, Ênio...

P.S.: no período de isolamento, embora em casa, estou trabalhando tanto ou mais que normalmente, mas, nos primeiros dias, consegui abrir uma pasta no OneDrive e colocar lá um primeiro esboço do que deve ser o livro a ser escrito neste ano... Deus me ajude!

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